Jornalista, pesquisador, escritor e produtor musical

Carta às novas cantoras

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Amigos,
Para inaugurar meu blog, quero postar aqui um artigo que escrevi para o número 1 da Revista Ilusorama, há dois meses. Leiam e comentem, please!

Carta às novas cantoras

Comecei meu interesse pela MPB por volta dos seis, sete anos de idade. Corriam os anos de 1978 e 79, quando houve um grande boom feminino em nossa música. Era uma época incrível, com uma avalanche de talentos. Todas as cantoras tinham repertório interessante e carimbo na voz. Você as ouvia no rádio e já identificava uma por uma. Ah, aos mais jovens, eventualmente desavisados, é bom que se diga que vivíamos num tempo em que não era pecado mortal ouvir grandes vozes e grandes canções nas FMs. Além do mais, não se tocava apenas pop/romântico e sambinhas lentos nas rádios que privilegiavam MPB. Ouviam-se frevos, sambões, marchas, canções de protesto, canções feministas, sensuais, pulsantes em geral… Era um bálsamo para os ouvidos e esta onda de discos ao vivo e revivals ainda não tinha nascido.

As estreantes naquela altura eram Elba Ramalho, Ângela Ro Ro, Zizi Possi, Fátima Guedes, Joanna, Diana Pequeno, Zezé Motta, Marina, Amelinha, fora Gal Costa, Simone, Elis Regina, Maria Bethânia, Clara Nunes, Alcione, Beth Carvalho, Baby Consuelo, Rita Lee e Fafá de Belém que estavam no auge de suas carreiras. E havia ainda Joyce, que andava sumida e reapareceu com sucesso, mais Maria Creuza, Cláudia e Eliana Pittman, que já começavam a sumir das paradas, mas ainda gravavam com freqüência; as divas populares Vanusa e Perla, até o time das que nunca tiveram grande sucesso, como Jurema, Janaína, Teresinha de Jesus, mas esbanjavam estilo próprio… Isto sem contar as divas do rádio Ângela Maria, Inezita Barroso e Elizeth Cardoso que continuavam na ativa e soltando discos anualmente na praça.

Elas eram todas boas porque cantavam com entusiasmo, tinham personalidade vocal e o repertório ajudava. Trinta anos depois, já trabalhando no meio musical, me deparo com uma avalanche de novas cantoras. Dezenas, centenas delas! Algumas filhas de velhos expoentes da MPB e outras sem sobrenome conhecido. A cada mês ouço falar de pelo menos duas ou três cantoras novas. Mas… Que decepção! São quase todas muito parecidas, fracas, sem estilo. Falta a elas o que as veteranas tinham de sobra. Justamente emoção, personalidade vocal, repertório e contraste entre as faixas de seus discos.

Por isso, para inaugurar esta coluna, decidi fazer, por pura molecagem, um quadro com dez conselhos para evitar que essas cantoras percam seu tempo gravando discos que ninguém (ou quase ninguém) vai agüentar ouvir. Se você é aspirante à cantora e quer fazer história na MPB, leia o quadrinho abaixo e depois não diga que não avisei…

1 – Não regrave músicas de Elis Regina no seu álbum de estréia. Desista. Você não as gravará nunca melhor que ela, e sempre haverá um espírito de porco (como eu) para lhe dizer isto!

2 – Se não tiver o que dizer em 14 faixas, grave apenas 9, 10, 11. Evite faixas longas demais. O melhor disco é aquele que termina e a gente fica com pena porque acabou e não o contrário. Até porque você corre o risco de a pessoa nem agüentar chegar até o final da audição.

3 – Se tiver preguiça de transmitir emoção, mude de profissão. Vá ser bancária, empresária, quitandeira… qualquer coisa! Respeite nosso passado de cantoras que cantavam com o útero. Mas não precisa se descabelar para cantar ou ficar num constante debater de braços, acredite: a emoção pode ser passada muitas vezes apenas pela voz.

4 – Grave letras que digam alguma coisa ao nosso tempo. Deste modo, seu trabalho poderá chegar aos mais jovens, que são as pessoas que realmente consagram um novo artista. Tentar fazer uma carreira em cima de clássicos desgastados da MPB pode ser uma grande cilada, pois você já vai estrear defasada. Entretanto, vale a pena regravar algo que esteja esquecido e mereça ser revisto. Mas, pelo amor de Deus, esqueça clássicos de Tom Jobim, Vinicius, Chico Buarque e da bossa nova em geral, porque todo mundo já teve esta idéia antes de você.

5 – Fazer um disco SÓ com músicas inéditas – de sua autoria ou de seus colegas desconhecidos – também pode ser sacal para quem não conhece você e sua trupe. Você pode ser um gênio como compositora (e seus colegas também), mas não queira transmitir tamanha genialidade de uma vez só, gravando 14 canções suas e de seus amigos. Não tenha preguiça de pesquisar no imenso baú da MPB. O ideal é mesclar novas e inéditas, e variar o máximo que puder os compositores que gravar, seguindo um mínimo de coerência estilística. E ainda assim, se escolher bem o repertório, é bom puxar a orelha do arranjador caso ele resolva uniformizar todos os climas das músicas ou esticar muito as faixas. O bom disco é o que tem contraste entre elas, acaba rápido e passa uma mensagem embutida – conceitual nas letras ou nas levadas, e não um saco de gatos, atirando para todos os lados.

6 – Não imite a escola de Cássia Eller e Ana Carolina e nem a de Marisa Monte porque ninguém agüenta mais. Também esqueça um pouco a “soul music”. Você mora no Brasil e imitar impostação de cantora de soul americana é a coisa mais enfadonha que existe.

7 – Se você optar pelo samba carioca, lembre-se: o bom samba tem que ter uma sujeira, não pode ser cool demais, senão vira arremedo de bossa nova ruim (a autêntica bossa nova tem uma linguagem sofisticadíssima e toda própria, mais difícil de fazer do que parece). E se for cantar só letras que falam de barracão de zinco, da nega que te largou e do morro de antigamente, nenhum jovem vai se identificar com você, porque não sei se lhe avisaram, mas esta cidade não existe mais.

8 – Ter afinação é importante, mas não basta só isso para ser uma boa cantora. É preciso ter algo mais. E às vezes uma voz educadinha “demais” pode fazer você se distanciar “demais” do seu público. Melhor tentar o canto lírico. O contrário também é importante. Cantar bem, ter uma boa voz e saber respirar não é fazer pacto com o diabo. Juro que é verdade!

9 – Ah, você quer cantar em outras línguas? Tem certeza? Nenhuma de nossas cantoras até hoje conseguiu fazer uma carreira de sucesso assim no Brasil, mas se você quiser ser a primeira… A não ser que você ache uma maravilha ser cover na linha dos cantores de barzinho. Cruz, credo!

10 – “Imagem” hoje em dia é muito importante, tanto quanto a música, para qualquer artista novo. Mas, atenção! Tem cantora que só tem cabelo e não adianta, não vai emplacar! Se você for gorda, mas cantar muito bem, assuma isso e invente um personagem. Se for muito feia, terá poucas chances, mas ainda assim contrate um bom estilista, ele pode fazer milagres por você. Ah, aquele look neo-hippiezinha, tipo “sou bonita, mas quero parecer feia (para me mostrar inteligente)” também já deu! E o sapata-informal (jeans, camisa preta e pouca maquiagem), daquelas que cantam em barzinho de bolacha suburbana, manja? Este nem pensar, por favor! Com glamour, talento e inteligência você pode inclusive jogar às favas esta lista inteira, ser intuitiva e mandar ver. Mas se puder levá-la, nem que seja amassadinha no bolso da calça para dar uma olhadinha de vez em quando, o público agradece.

Rodrigo Faour

PS – Depois de pronto e publicado, meu amigo Tomás Rangel sugeriu que eu incluísse um décimo-primeiro conselho: “Não regrave clássicos da MPB com bases eletrônicas”. hahahahah. Acatei imediatamente sua sugestão! Realmente, é dose!