Jornalista, pesquisador, escritor e produtor musical

Quem tem medo do Créu?

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Eu não tenho medo, já vou avisando. E nem adianta me olharem com essa cara, dando risinhos. Sabem por que? Porque isso não vai abalar os pilares da família brasileira, nem da cultura nacional, nem da MPB propriamente dita. Bizarrices como essa Dança do Créu não são novidades em nossa música. O que vem a ser? Simples! Um sujeito magrelo cantando com voz cavernosa e anunciando “uma nova dança” em cinco velocidades, cujo o refrão é sempre o mesmo: “créééu… créééu… créééu… créééu…”. A cada velocidade, o sujeito e suas dançarinas popozudas têm que tremer mais e mais o corpo. Pode ser pior? Pode ser melhor? Gente, isso é Brasil! Você pode imaginar a Dança do Créu na Dinamarca? Na China? No Chile? Pelo bem ou pelo mal, nosso país tem excesso de testosterona e adrenalina, e as mesmas vão singrando por todos os nossos orifícios em nosso ventilador hormonal – desde os primórdios da MPB.

Outro dia lendo matérias de coleguinhas da imprensa, todo mundo começou a descascar a Dança do Créu, dizendo que no país que se orgulha das músicas de Chico, Caetano e da bossa nova, isso é o fim dos tempos. Que comparação sem propósito! Até parece que a música brasileira só teve autores de elite… Ou eu estou ficando louco ou as pessoas são mal informadas ou têm a memória muito fraca. Desculpem o que vou dizer, mas não foi o neo funk carioca e seus derivativos, como esse MC Créu, que inventaram a sacanagem “mal cantada” por aqui.
O lundu no século XVIII já era um estilo alegre com versos sacaninhas. Na virada do século XIX para o XX, o maxixe era execrado pelas elites justamente por seu teor sexual. Acostumada às modinhas e óperas européias, a classe média nascente da época achava o pobre do maxixe “uó”. Inicialmente uma dança, o maxixe eram polcas, tangos e habaneras tocados em ritmo frenético pelas orquestras. Aí os dançarinos se enganchavam de uma tal maneira que pareciam estar mesmo num tremendo coito sexual – e muito mais erótico que o futuro samba, que também foi perseguido.
Nos anos 30, a marchinha carnavalesca se fixou como a grande música dos foliões. E se para cantar esses maxixes realmente não era preciso ser um Caruso, marchinha então… muita gente que nem era do ramo da música popular a cantou, inclusive palhaços, humoristas e vedetes. Virígina Lane mesmo emplacou uma maravilhosa, a Marcha da pipoca: “Empurra, empurra, empurra a carrocinha/ Empurra, minha gente, que a ‘pipoca’ ta quentinha”. Tá, meu bem!
Musiquinhas pegajosas, fáceis, de duplo sentido, com poucos versos e evocando “uma nova dança” e cantadas por cantores de todas as tribos (inclusive os fracos) são mais velhos que Dercy Gonçalves! A partir dos anos 40, vieram o Chamego, de Luiz Gonzaga, o Sassaruê, de Marlene, o Vira do Secos & Molhados, a Dança do Bole-bole de João Roberto Kelly e suas mulatas, a Conga, conga, conga, de Gretchen, o Fricote de Luiz Caldas, a rodinha de Sarajane, o tititi, a dança da galinha, do crocodilo, do tchaco, da tcheca e até a do Mike Tyson, no carnaval baiano. Falando em galinha, teve a famosa Marylou, do Ultraje a Rigor, o Rock das Aranha, do Raul Seixas e a lambada, cujo clímax da dança era o movimento que a mulher fazia com as pernas para cima, que dava para ver a cor de sua calcinha.

Vieram ainda o Rala o pinto, do Zé Paulo, a Melô do Tchan (“Segura o Tchan!”), do Gerasamba (futuro É o Tchan), que depois lançou a Dança do Bumbum, O trenzinho (da sacanagem), a Dança da cordinha, a Dança do põe, põe… Inesquecíveis – ou facilmente esquecíveis – também foram Na boquinha da Garrafa e a Dança do Strip-tease, da Companhia do Pagode e o Carrinho de mão, do Terra Samba. “Facilmente esquecíveis” porque tudo isso é música popular com prazo de validade. Sim, a música popular é feita para ser consumida no calor da hora. Felizmente nossa música é tão forte que muita coisa de excelente qualidade foi produzida e sobreviveu ao tempo. Mas muita coisa também é feita para durar apenas um verão. Como o Créu. Por isso não tenho medo dele. É uma musiquinha-piada que em pouco tempo ninguém mais vai se lembrar.
Tenho certeza que quem inspirou a Dança do Créu foi a adorável Marrom, Alcione, com aquele samba gaiato do “negão de tirar o chapéu”, que não podia dar mole, senão ele “créu”. E assim o “créu” – gíria comum nos anos 80 – voltou para abalar a libido de uns e o gênio dos mau humorados de plantão.

A lista de nossas músicas chulas, pueris e deliciosamente apelativas não acabou. Teríamos de incluir alguns clássicos da jovem guarda, forrós de Manhoso, Genival Lacerda, Clemilda e Teodoro & Sampaio, sambas de Dicró, o dance Heloísa mexe a cadeira (“e vai fazendo a minha mala”) do Vinny, os rocks dos Raimundos, que compuseram pérolas como “Se ela tá gemendo é porque eu sou um cara legal/ Se ela tá tremendo é porque gostou do meu pau/ Se ela ta gritando é que ela tá querendo mais/ Se ela tá berrando é hora de meter por trás”. Ninguém compara Raimundos com Chico, Caetano e a bossa nova. Já a pobre da Dança do Créu e seus colegas do (neo) funk carioca…
O que eu tenho medo mesmo é de boa parte da nova MPB e do pop nacional – são caretas, pouco inventivos, com muita gente pretensiosa e pouco talento. Muita imitação de gerações anteriores e muito pouco a dizer, inclusive como cidadãos, em entrevistas politicamente corretas até a medula. É desses caras que eu tenho medo. Muito medo! Mais medo do que Regina Duarte tinha do segundo mandato de Lula. Podem imaginar? Créu neles! E na velocidade “5”!